quarta-feira, 20 de maio de 2009

A espada do rei Salomão

Photobucket - Video and Image HostingLou, House of hands
Às Saras da minha vida
A miúda estava especada no meio da rua, a dois passos da Escola, a olhar para o chão como se esperasse dali alguma salvação. O pai, desabrido e choroso, agitava os braços em todas as direcções e não parava de acusar a mulher: por lhe ter roubado a filha; a filha, de onze anos, por não saber dizer que não à mãe.
Chorava entretanto, a meio das frases, como um soluço, para dizer que gostava muito dela. Leia-se da mulher. Aquele homem estava só, sem mulher e sem filha e nem os muitos copos que dava sinal de ter engolido lhe atenuavam a dor. Com aquela perda, arrastaram-se para a superfície todas as outras: no trabalho, os polícias, seus colegas, que o queriam tramar, os bandidos que rondavam a saia da mulher para a ajudarem a perder-se.
E a miúda ali especada, a ver a mãe a outros dois passos, com um ar levemente irónico a aflorar-lhe as pupilas e uma voz dura que dizia suavemente “Devias beber menos”, para fazer o pai recomeçar o jogo de desnorte, a ladaínha das batalhas perdidas, a fúria da sua castração.
Nem a doçura da filha os demovia. Nenhum dos dois a afastou da cena, nenhum amor superou o gozo e a dor de se agredirem mutuamente através dela.
A a miúda ali especada, a dizer-me “Eles zangaram-se e eu, estou aqui”. A mais, pensei eu. Só espero que ela nunca venha a descobrir.
Na rua, a dois passos de todos nós, um amolador de tesouras e navalhas soltava a sua melodia, inconfundível, a lembrar-nos um tempo em que todos pensávamos que ser feliz estava a dois passos de distância.
Qualquer semelhança entre esta histórias e outras recentes é mesmo realidade.Negrito
Armandina Maia
(post já publicado aqui em Maio de 2006).

Sem comentários:

Enviar um comentário