quarta-feira, 20 de maio de 2009

Gisberta, um adeus português (revisitação obrigatória nos tempos que correm)

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Freedom
, Barbara Lessing, Jardins de Bagdad, 2004

Foi com grande surpresa que vi erguer-se um muro de silêncio em torno do caso Gisberta. Não sei em que esquinas perdeu aquele ar de quase senhora de que parecia orgulhar-se, o rosto sereno e altivo, rodeado de cabelos principescos, que a fariam passar por uma diva em férias, o ar doce com que se debruçava à janela a falar com avizinha, a quem pintava o cabelo, com as suas mãos de homem que conheciam o fazer das mãos de mulher.

Há hiatos nesta história, mas a Gisberta, um dia, deixou de importar consigo, gastou as botas até ficarem cambadas, abandonou os cabelos que lhe enfeitavam o olhar e passou a andar rente às paredes, para ninguém a ver. Por falta de pagamento, foi andando de quarto em quarto, de rua em rua, de beco em beco, até chegar àquele poço inacabado onde restos de pessoas se acolhiam.

A sua paz não durou muito, porque os "putos" a descobriram e acharam importante mostra-lhes o seu pseudomachismo, cuspir-lhe na cara, usá-la como coisa. Um lixo, comparada com eles, que tinham casa, mesa e roupa lavada. Um lixo que eles nunca haviam de ser, apesar de os pais os terem armazenado naquela casa grande onde sentiam medo e solidão. Um trapo, uma bola de ninguém em que todos podem chutar.

O "verdadeira" óbito dentro do poço é, realmente, de uma exactidão impressionante e hipócrita. Gisberta foi maltratada até à morte, repetidamente, por meninos pequenos com muita morte dentro deles. (Tivesse sido um cidadão português com os impostos em dia, o desfecho do caso teria sido bem diferente, mas, temos de comprender, travesti e brasileiro/a, o que é que nós temos que ver com isso?).

Mas Gisberta não morreu só daqueles maus tratos. Morreu muito antes, numa porta qualquer em que perdeu a esperança. Foi a enterrar com roupagens masculinas, enfiadas à pressa e à força no corpo morto, à mercê da "sociedade" que, todos os dias, continua a passar um apagador nos direitos fundamentais do ser humano.
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Armandina maia

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